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Foto do escritorDa Redação

Jaqueline Machado | Cachorro Velho

Cachorro velho aproximou do rosto a borda da cuia e cheirou. O aroma do café adoçado com mel lhe entrou em cheio, confortando-o. Talvez essa fosse a única sensação de prazer de um senhor negro e velho, filho de uma escrava vinda da África. Ele nasceu e cresceu dentro do cercado de uma fazenda de engenho.


Nunca ultrapassou as porteiras daquele lugar onde, desde criança, sobreviveu sob a égide dos patrões brancos e do terrível sistema escravista que sugaram suas forças.


O ancião não teve infância, não pode desfrutar dos belos sonhos na juventude. E perdeu seu único e breve amor. Toda a história que nasceu para viver, ficou reprimida nas vigas estreitas e estremecidas de suas entranhas.


Seu coração não reconhecia a felicidade. Tanta era sua agonia que, ao sentir prazer por qualquer coisa que se assemelhasse à alegria, ele de imediato repelia o sentimento. Pois não entendia o que era. Estava embrutecido demais para entender sobre bem-estar e amor.

Sua vida era tão sem vida que ele gostava de se imaginar morto...

O café que o confortava era feito por Beira, companheira do barracão onde dormia.

O escravo era tão menosprezado, que não tinha nome. Todos o conheciam por “Cachorro Velho”.


É! Histórias iguais a esta, descrita no emocionante conto, Cachorro Velho, da escritora cubana Teresa Cárdenas, eram muito recorrentes. E ainda são, só que hoje, em formatos diferentes.


Dizem que a escravidão acabou. Então, por que ainda necessitamos de um dia como o 20 de novembro para repensarmos essas tristes histórias?

Sim! O racismo permanece atuante. E fere, oprime e mata.


Muitos dizem que o preconceito não existe. Que tudo isso que ouvimos por aí é “mimimi”... Mas no fundo, todos sabemos que isso não é bem assim...

O racismo é uma grave anomalia da sociedade. Pra mim, trata-se de algo incompreensível, bestial. É impossível entender como a simples diferença de cor de pele pode causar qualquer tipo de rejeição entre os irmãos de uma mesma Terra.


Pelo menos aqui no Brasil, a maioria dos habitantes é descendente de negros. E tem sangue afro correndo em suas veias.


A negritude não perde em humanidade, beleza e cultura, para nenhuma outra raça. Por isso, deixo aqui registrada minha profunda admiração pela cultura do povo negro. E minha nota de repúdio por quem traz no olhar, nas palavras e nas atitudes, a chama venenosa do racismo, e da ingratidão para com este povo que ajudou a construir a nossa linda nação.


Jaqueline Machado.


 

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